UMA PÁGINA DE UM LIVRO – A ORDEM DOS PSICÓLOGOS PORTUGUESES E A COVID-19

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Uma página de um livro – A Ordem dos Psicólogos Portugueses e a COVID-19
em 2020-06-03 Ano: 2020
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Autor(es)

Tiago Pereira

Coordenador do Gabinete de Crise COVID-19 da Ordem dos Psicólogos Portugueses


Quem leu o Dom Quixote de la Mancha sabe que o episódio da investidura de D. Quixote sobre os moinhos de vento é narrado por Miguel de Cervantes numa única página das cerca de 700 do livro. Um episódio carismático que resultou identitário para a obra, exemplo de como, invariavelmente, existem pormenores decisivos nas estórias.

Quando com distanciamento histórico pensarmos o posicionamento da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP) no quadro da pandemia que vivemos, creio que detetaremos diversos pormenores decisivos para a estória mas que o momento “investidura” corresponderá à reestruturação da equipa da OPP e à resposta da organização que a partir daí pode ser planificada, organizada e suportada. 

Considerando o que íamos conhecendo da evolução do vírus e da situação de outros países, cedo percebemos o fortíssimo impacto que a COVID-19 teria no quotidiano do país. Nesse sentido, ainda antes dos primeiros casos em Portugal, trabalhamos numa primeira parceria com a Direcção Geral da Saúde (DGS) num documento com propostas em torno da comunicação de risco e crise baseada na perceção de riscos. Também nesse sentido, enquanto associação pública profissional de uma área tão relevante no comportamento, saúde pública e psicológica, entendemos como fundamental assegurar condições para o reforço da colaboração com as autoridades (de saúde, de educação ou das áreas sociais) e com decisores; disponibilizar conteúdos e conhecimento, contribuindo para a literacia da população e para a informação do debate público sobre temas relevantes direta ou indiretamente relacionados com a COVID-19 e as suas consequências; e, finalmente, manter toda a nossa resposta aos membros, sem quebra de qualquer das nossas atribuições, criando / reforçando medidas de apoio e desenvolvendo e disponibilizando ferramentas de apoio à prática.

Colocando a segurança de cada trabalhador/a em primeiro lugar, a OPP criou um gabinete de crise com capacidade e competência para alterar prioridades ao nível das atividades e reafectar recursos, algo que permitiu uma rápida preparação da organização para passar totalmente para trabalho à distância e para os objetivos antes referidos. Esta estratégia implicou, a flexibilização das equipas, tendo-se criado uma Task Force específica para coordenação e apoio à produção de conteúdos para sociedade em geral e para psicólogas/os, reforçado a equipa de formação (e passada toda a formação para formato à distância) e a equipa de comunicação e imagem e efetuadas alterações significativas nas áreas de atendimento e apoio aos membros, resposta aos membros e área financeira, mudanças todas suportadas na equipa de informática que assegurou ao nível de hardware e software toda a (infra)estrutura de suporte a esta atividade.

Foi a partir desta nova estrutura de organização, com o envolvimento da direção e dos órgãos sociais da OPP, com dezenas de psicólogas/os membros de grupos de trabalho e mobilizando outras colaborações com membros, que se preparou e operacionalizou o plano de resposta da OPP nestas primeiras cerca de 10 semanas pós primeiros casos COVID-19 detetados em Portugal. Uma resposta assente em cerca de 650 iniciativas e na produção e disponibilização de cerca de 200 produtos neste período, entre documentos de apoio para a população em geral e para psicólogas/os, produtos gráficos, vídeo ou lives. Assente também num conjunto de parcerias com órgãos de comunicação social (TSF – Sem medo do medo; RR – Quarto do Fundo) e na resposta a solicitações, que fizeram dos últimos meses os meses com maior alcance de comunicação da OPP de sempre. Assente ainda num conjunto de parcerias estratégicas com entidades para realização de ações de apoio específicas a determinados grupos populacionais (e.g Associação Patronais e Sindicatos, Federação Nacional de Associações Juvenis ou FENACERCI), para apoio ao desenvolvimento de projetos relacionados com linhas de aconselhamento psicológico (e.g Linha de Apoio ao Farmacêutico da Ordem dos Farmacêutico e da Câmara Municipal de Lisboa) ou de colaboração com congéneres internacionais dos países de língua oficial portuguesa, da Europa e do Mundo. Assente, finalmente, numa colaboração próxima com as autoridades e decisores, colaboração que permitiu trabalhar diretamente com o Ministério da Saúde (com contributos específicos nas áreas estratégicas e políticas da saúde psicológica / mental da população) e com estruturas na sua dependência, como a DGS (com a produção conjunta de documentos e webinars) ou os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, que apoiamos no processo de reforço da Linha de Informação COVID-19 do SNS 24 e com a criação de raiz da Linha de Aconselhamento Psicológico SNS24, onde trabalhamos, além de no desenho e arquitetura, na formação, acompanhamento e supervisão das/os psicólogas/os que a asseguram desde o dia 1 de Abril, 24h por dia, 7 dias por semana.

A estas colaborações e parcerias estratégicas devem somar-se uma atitude de grande disponibilidade das/os psicólogas/os portugueses para contribuírem com o seu conhecimento e ação para o enorme desafio que vivemos. Alguns exemplos desta disponibilidade decorrem das 800 candidaturas que recebemos em menos de 24 horas aquando da comunicação da necessidade de reforço da Linha de Informação COVID-19 do SNS24, dos hoje mais de 550 agentes OPP para a promoção de comportamentos pró-saúde e pró-sociais, projeto criado para organizar as pessoas que manifestaram interesse em disseminar informação produzida pela OPP, dos mais de 80 projetos submetidos à via verde de apoio à investigação criada, forte sinal da participação da ciência psicológica na construção evidência nesta área, além do conjunto significativo de projetos que vimos serem criados por ou tendo a participação de psicólogas/os como resposta a necessidades específicas das pessoas ou das comunidades.

Cremos que esta grave crise que vivemos e viveremos torna mais saliente o papel e a importância da saúde psicológica e a carência de acessibilidade dos cidadãos a serviços de psicologia ainda existente em Portugal, nomeadamente nos cuidados de saúde primários (2,5 psicólogas/os por 100.000 habitantes) que inviabilizam outra intencionalidade na promoção de recursos (psicológicos) e na prevenção, tendo em vista o bem estar e a maior capacitação das pessoas e das comunidades para vivenciarem situações de adversidade como a que vivemos.

Termino referindo, conforme recentemente fiz numa entrevista à Revista Psis21 da Ordem dos Psicólogos Portugueses, que o contributo da OPP, sendo muito distinto da exigência do das/os psicólogas/os dos Hospitais, das Estruturas Residenciais das Pessoas Idosas ou dos que trabalham diretamente com as populações com maiores vulnerabilidades, julgo poder orgulhar-nos.... Pelo trabalho desenvolvido pela nossa organização. Pelo contributo dado a cidadãos e ao país.... Pela boa, cremos, representação da psicologia e das/os psicólogas/os portuguesas/es.

Lisboa,  26 de maio de 2020